Uma característica importante que os puritanos tinham era o apego à Palavra de Deus.
Isso acontecia porque acreditavam que era nas Escrituras que Deus se revela ao Seu povo e onde podiam encontrar tudo aquilo que precisavam para vida quotidiana.
A vida dos puritanos era caracterizada pela oração – inclusive tinham um quarto nas suas casas reservado apenas para esse momento de intimidade com Deus – e pela leitura da Palavra de Deus.
Sem dúvida que conheciam muito das sagradas escrituras, provavelmente mais do que qualquer outra geração, e isso notava-se até pela quantidade substancial de versículos e até mesmo capítulos que decoravam.
Faziam isso porque acreditavam também que o Espírito Santa usa a memória das pessoas para trazer a Verdade em momentos de grande turbulência.
Estes servos de Deus reflectiam este apego à Palavra de Deus nos púlpitos das suas Igrejas. Isto porque eram muito zelosos nos seus estudos bíblicos e nem tinham a ousadia de falar de outra coisa que não fosse reflexo dessa análise às Escrituras.
Face a isso, abriam literalmente as Bíblias nos púlpitos das Igrejas mostrando que o alvo da pregação era somente a pregação e a pregação expositiva.
Tinham esta atitude porque acreditavam que este era o único método capaz de mostrar, com toda a fidelidade, o significado do texto através de uma hermenêutica e da exegese uma boa aplicação bíblica à vida dos seus ouvintes analisando a fundo o contexto quer a nível social e económico como também a nível do contexto textual[1].
O amor dos puritanos pela Palavra era muito grande e queriam que essa Palavra chegasse ao ouvido de todas as pessoas. Face a isso, contribuíram, substancialmente, para a tradução da Palavra de Deus dando o nome de Bíblia Genebra a essa versão[2].
Para os puritanos, Deus revela-se, com base em Romanos 2:14-15, da seguinte forma: 1º observação da Natureza; 2ª Pela percepção da acção de Deus na história; 3º Pelo senso íntimo de Deus em cada ser humanos pois, segundo os puritanos, todas as pessoas, quer sejam cristãs ou não cristãs, têm consciência das leis morais de Deus (Romanos1:32)
Este conhecimento é a evidência da graça comum do nosso Deus dada a todas as pessoas sem excepção. Caso não existisse esta revelação, então não havia restrição moral e social ao mal que o homem poderia fazer.
Inclusive, nem a consciência do ser humano pesaria, como acontece com todos seres humanos, a não ser que tenham alguma psicopatia.
Os puritanos, ao olharem para a Bíblia, acreditavam que este conhecimento não era suficiente para salvação. Este conhecimento fazia, sim, com que todo o ser humano seja considerado indesculpável perante o tribunal de Cristo.
Por isso, estes servos de Deus acreditavam que a “revelação natural” serve apenas para a condenação do homem, mas não para salvá-lo.
Devido a isso, precisamos da revelação especial da parte de Deus encontrada na Sua Palavra.
Contudo, para os puritanos, a bíblia não tem como objectivo comprovar a existência de Deus pois parte logo da certeza que Deus sempre existiu (Génesis 1:1).
Não há revelação completa sem Cristo e Cristo só pode ser encontrado nas Escrituras.
Os puritanos acreditavam também na inerrância das Escrituras com base em II Tim. 3:16.
Logo, segundo estes servos de Deus, não podemos considerar que há textos mais ou até menos importantes do que outros.
Nesse sentido, olhavam para a Bíblia sabendo que não podia haver discrepâncias entre as verdades lá contidas. Deus não mente (II Samuel 7:28; Tito 1:2; Hebreus 6:8).
Para os puritanos, havia um elo de ligação entre toda a Escritura pois se a Escritura fosse unicamente um livro de histórias, não poderíamos encontrar uma unidade, que é Cristo, em todos os seus escritos.
O pensamento de alguns puritanos sobre a Palavra de Deus
Thomas Goodwin (1600-1680), ao defender a pregação expositiva, disse que aqueles que pregavam fora do texto, usando-o como pretexto, não deviam sequer ter a ousadia de dizer que estudaram.
Contudo, ao olharmos para a Bíblia, segundo Goodwin, vemos precisamente o contrário quando o apóstolo Paulo convidou o jovem Timóteo a meditar e a estudar[3]. Uma diferença substancial, sem dúvida. Devido a isso, os seus oponentes religiosos temiam muito o poder das sua pregações[4].
Os puritanos tinham proximidade à Palavra porque acreditavam que a própria Palavra era autoridade para o povo de Deus. Esta era precisamente a ideia de John Owen (1616 – 1683) o qual dizia que a Escritura tem a mesma autoridade que tem a autoridade do Seu autor[5].
Segundo Jonathan Edwards, um dos puritanos mais reconhecidos, refere que uma das características que autentifica a obra do Espírito Santo na vida de uma pessoa é o respeito e o amor que ela tem pela Palavra de Deus[6].
Henry Smith (1560-1591), outro puritano, afirmou que «devemos sempre ter a Palavra de Deus diante de nós como regra e em nada crer senão naquilo que ela ensina, nada amar senão o que ela prescreve, nada odiar senão o que ela proíbe, nada fazer senão o que ela ordena»[7].
Isto tornou-se muito relevante para aquele contexto até porque havia muitas pessoas a questionarem a suficiência da Palavra para que se pudesse dar valor à tradição da igreja católica apostólica romana.
Além disso, diziam que o povo precisava do julgamento da Igreja para avaliar o sentido da Palavra. Ao terem esta atitude, estavam a afastar, invariavelmente, o povo da leitura das Escrituras[8].
Segundo Joel Beeke, os puritanos «amavam, viviam e respiravam as Escrituras, regalando-se no poder que acompanhava a Palavra, o poder do Espírito. (…) Liam, ouviam e cantavam a Palavra com prazer e encorajavam outros a fazer o mesmo»[9].
O próprio Thomas Manton disse que a Bíblia é um esboço onde Deus está exposto e que não iremos estudar outro livro quando chegarmos ao céu[10].
Aplicação para os dias de hoje sobre a Palavra de Deus
O amor dos puritanos pela Palavra de Deus aumentava à medida que conheciam, através da própria Palavra, mais a Deus. Ou seja, havia uma capicua: a Palavra levava-os até Deus e Deus levava-os até à Palavra.
Isto serve de grande ensino para o contexto actual na medida em que se deve saber que não há conhecimento de Deus sem um conhecimento sério da Sua Palavra.
Temos de analisar a nossa vida em termos gerais para perceber se tem havido abandono ou até desleixo com a Palavra de Deus.
Além disso, vivemos numa época em que, mesmo no meio dito religioso, há uma ênfase desmedida na contemplação e nas experiências sensoriais esquecendo-se que só podemos encontrar a revelação salvífica de Deus na Sua Palavra.
Há uma pergunta que se impõe olhando para a vida dos puritanos: estaremos nós a pregar a Palavra de Deus?
Tal como vimos, se a revelação geral não serve para a salvação, apenas para a condenação, devemo-nos firmar as nossas vidas na revelação específica (Bíblia) para também proclamarmos a Palavra de Deus para que mais pessoas sejam salvas.
[2] Ibid, p. 148
[4] Ibid, p. 103
[5] Ibid, p. 151
[6] Lawson, Steven J. – “As firmes resoluções de Jonathan Edwars”, p. 25
[7] Beeke, Joel & Jones, Mark – “Teologia Puritana”, São Paulo: Vida Nova, 2016, p. 1194
[8] Turretini, F. – “Compêndio de Teologia Apologética”, São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã, Vol. 1, p. 206
[9] Beeke, Joel – “Teologia Puritana”, p. 1193
[10] Ritzema, E., Vince, E., Powell, G., Terranova, J., & Franco, C. – “300 citas para predicadores de los puritanos”, Bellingham, WA: Lexham Press, 2013
Jónatas Rafael Lopes
Jonatas Rafael Lopes é pastor na Igreja Baptista da Graça, em Lisboa, e pós-graduado em estudos bíblicos. É membro da direção da Convenção Baptista Portuguesa responsável por Apoio a Igrejas. Jonatas é casado com a Filipa Lopes, e eles têm quatro filhos: Raquel, Samuel, Gabriel e Isabel.