Os puritanos e a vida familiar

Os puritanos olhavam para o lar com uma grande responsabilidade porque acreditavam que a casa era o primeiro ministério de um homem segundo o coração de Deus e, como tal, deviam liderar espiritualmente o seu lar.

Estes servos de Deus sentiam o peso desta responsabilidade e não conseguiam desassociar essa liderança à Palavra de Deus porque acreditavam que era precisamente nas Escrituras que podiam encontrar as directrizes dadas pelo próprio Deus aos Seus filhos.
Além disso, acreditavam que os filhos que tinham, na verdade, não eram seus. Pertenciam, sim, a Deus. E, devido a este empréstimo temporário, tinham de ser bons mordomos dessa dádiva [1] .

Para os puritanos, era muito claro que só era possível uma família estar firmada em Cristo quando a mesma investisse no culto doméstico [2] . Isto porque acreditavam que a Palavra de Deus e a oração tinham poder para uni-los a Cristo como também para unir os membros da família. Isto é, se aprendermos a ouvir e a falar com Deus, isso ajudar-nos-á também a saber ouvir e a falar com o povo de Deus.

Sabiam também que ao investirem no lar estavam também a investir na noiva de Cristo porque a saúde da Igreja depende sempre daquilo que acontece nas famílias que compõe a Igreja de Cristo [3] .

 Não há igrejas fortes com lares fracos. Devido à importância que as famílias deviam dar ao culto doméstico, a Igreja da Escócia, em 1647, adoptou o «Directory for family-worship [4] » para estabelecer as normas para a adoração em família. No entanto, era bastante claro que o homem, antes de fazer alguma coisa com a sua família devia primariamente cuidar da sua vida pessoal para que aquilo que fizesse no seu lar brotasse de uma vida cheia do Espírito Santo.

O pensamento de alguns puritanos sobre a vida familiar.

George Swinnock (1627-1673), ao comentar o Salmo 101, disse que David não era hipócrita porque não vestia as suas melhores roupas fora de casa e nem mudava quando chegava ao seu lar. A vida de David era igual em todo o lado [5] .
Daí, Swinnock, considerar importante investir cada vez mais na família. Inclusive, foi bastante contundente pois achava que se desejássemos que os nossos filhos se afastassem de Deus e magoassem ao mesmo tempo a nossa alma quando crescessem, bastava afastá-los de uma educação piedosa e, por conseguinte, do estudo da Palavra de Deus [6] .

John Trapp (1601-1669) afirmou que se quisermos saber quem são os hipócritas temos de conhecê-los no lar porque aí não há máscaras. Na lar, somos quem somos pois é impossível enganar alguém durante muito tempo [7] .

Mathew Henry (1662-1714) percebeu a responsabilidade dos ministros do Evangelho ao ter afirmado que estes têm obrigação muito maior de governarem o seu lar para então estarem habilitados a governar a Igreja (I Timóteo 3:5). Isto porque, segundo Henry, o lar está intimamente ligado à Igreja pois o crescimento de um levará ao crescimento do outro.
Entendemos melhor a razão dos ministros do Evangelho terem uma liderança com responsabilidades quer no lar como na Igreja [8] .

Thomas Manto (1620-1677) acreditava que Deus usava a Sua Palavra para transformar a vida de uma pessoa. Além disso, se quiséssemos conhecer alguém de verdade, bastava olhar para o lar dessa pessoa porque é precisamente aí que se conhece o verdadeiro carácter de alguém. Por outro lado, quando uma pessoa é transformada por Deus, ela será sempre igual em qualquer lado que estiver. Qual o motivo? Deus também é igual em todos os momentos e em todos os lugares dando assim a tónica para o ser humano [9] .

George Hamond (1620-1705) ao fundamentar o princípio bíblico para o culto doméstico dizia que a Bíblia mostrava que Deus devia ser cultuado em todos os lugares. Isto obriga-nos a saber que não se deve excluir a adoração a Deus no nosso tempo em família [10] .

Thomas Foolittle (1630-1707) referiu que Deus instituiu a família. Isso mostra-nos que Deus é o arquitecto como também o proprietário dos nossos lares além de ser o salvador das nossas famílias (Génesis 2:21-14; Efésios 5:22-6:9). Se as famílias cristãs tiverem esta noção, só lhes resta retirar um tempo para adorá-lo como também compreenderem o caminho que devem seguir [11] .

Aplicações para os dias de hoje sobre a vida familiar.

A Palavra de Deus tem poder para transformar qualquer tipo de pessoa como o seu carácter para vivermos de acordo com o Evangelho de uma forma holística.

A forma como construímos o nosso Lar revela a importância que Cristo tem nas nossas vidas. Não podemos dizer que somos cristãos e não o demonstrarmos no nosso Lar.

Logo, quando vivemos a Palavra de Deus todas as fachadas serão derrubadas. Somente a Palavra de Deus irá guardar os lares cristãos das influências do maligno.

Progredir na vida cristã é sinal de que estamos a diminuir cada vez mais e que Cristo está a crescer cada vez mais dentro dos nossos lares.

Precisamos de mais oração e mais Bíblia nos nossos casamentos.

Este é um dos aspetos muito importantes no casamento com consequências claras para o resto da família.

Homem e mulher precisam, primariamente, de ter intimidade espiritual que é sem dúvida a maior responsável para que haja todas as outras intimidades. É neste ponto que precisamos de trabalhar e os puritanos ensinam-nos esta verdade.

É também necessário regularmente avaliarmos espiritualmente o estado da família para que possamos conversar sobre os passos necessários a dar para glorificarmos cada vez mais a Deus.

Por isso, que as nossas famílias assumam o desafio diário de tornarem o nome de Deus conhecido e que, através da forma vivem e falam, mais pessoas possam perceber quem Ele é.

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1 Ryken, Leland – “Santos no mundo”, p. 92-93 1.2017.

2 Ibid, p. 100

3 Ibid, p. 99

4 https://en.wikipedia.org/wiki/Directory_for_Family_Worship acedido em 25.11.2017.

5 Beeke, Joel – “Teologia puritana”, p. 1220

6 Ritzema, E., Vince, E., Powell, G., Terranova, J., & Franco, C. – “300 citas para predicadores de los puritanos”,
2013.

7 Beeke, Joel – “Teologia puritana”, p. 1220

8 Hendriksen, William (2011) – “1 e 2 Timóteo e Tito”, São Paulo: Editora Cultura Cristã, p. 156

9 Beeke, Joel – “Teologia puritana”, p. 1221

10 Ibid, p. 1224.

11 Beeke, Joel – “Teologia puritana”, p. 1225

Jónatas Rafael Lopes

Jonatas Rafael Lopes é pastor na Igreja Baptista da Graça, em Lisboa, e pós-graduado em estudos bíblicos. É membro da direção da Convenção Baptista Portuguesa responsável por Apoio a Igrejas. Jonatas é casado com a Filipa Lopes, e eles têm quatro filhos: Raquel, Samuel, Gabriel e Isabel.

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